segunda-feira, 14 de julho de 2008

CAPÍTULO:
Éh... guasta-Ostepô

Prefácio da Autora:
Garibaldi, 07.02.2008 - 23h

Tudo o que você nunca quis saber...

Tinha quase certeza de que minha escola iria perder este ano... Eu sempre acho lindo o desfile da Mangueira, mas a Beija-Flor vem mostrando-se impecável! Além de ser considerada como uma das “baterias” mais “redondinhas” do Rio de Janeiro... Em Porto Alegre, a Restinga perdeu e, aqui na colônia... Aqui na coloniolândia meu Bloco já era. Eu nem ligo. Queria mesmo era passar o verão no Recife... Ou o carnaval em BH. Ou, melhor ainda, nem voltar mais porque nessa terrinha o clima é desalmado. Há um ditado que todos os garibaldinos conhecem: “Aqui só tem duas estações: O inverno e a rodoviária”.

Não é jogo de marqueting.
Quando digo que esta é uma história da qual você nunca quis saber, é porque realmente é uma história da qual você nunca atinou em querer conhecer, penso eu. Porque você tem grandes chances de nem saber quem eu sou. Aliás, uma anônima como todos os milhões e bilhões... Como você, talvez. E, sinceramente, eu acho que não teria tempo de ler a sua história. A história de quem talvez, eu nunca tenha ouvido falar. Não que eu seja excêntrica, quem me dera! É que a sobrevivência atual me impede de realizar muitas curiosidades, como conhecer a Vida de uma pessoa... Por exemplo.

A minha história só me interessa porque é a minha própria história! E só a escrevo porque não posso viver sem fazê-lo. Sou uma escrava. É claro que li o Rilke... E é claro que me refiro ao que marcou minha crédula ingenuidade quando o li. E não só a ele, pois todos os autores que conheço se repetem, de certa forma; a eles próprios e entre si. Eu também.

Então, agora que perdi sua atenção e preservei seu precioso tempo, se é que você ainda está ai, do outro lado, desmerecendo entretanto o seu interesse, inicio minha história sem arrependimentos...


CEUPA
Parte I


...mintam! Podem continuar mentindo com seus muito bem ancorados semblantes e olhares... Com seus ombros recolhidos de dar pena! Têm talento para isso! Aproveitem os tempos de fartura! Pois estão perdendo a credibilidade...

Eu estive lá...
Convivi entre eles...
Conheci a verdade... Do lado de dentro daqueles muros...
Apanhei da crueldade e da frieza de cada um e de cada uma.
Sobrevivi ao espizinhante deboche daqueles corações mal ensinados...
Fui traída de todas as formas.
Ali, tentaram matar o meu sonho...
Ali, deixei pedaços de minha esperança, mutilada para sempre...
Mas isso não é de todo ruim.
Não amigos. Ninguém vai matar o meu sonho.
Nem eles, com sua língua e seu veneno.
Aprendi a diferença entre um sonho lindo, uma esperança autêntica e uma perfeita ilusão da vida...
Ao invés de destruírem meu caráter como fazem, tão bem feito, à maioria dos jovens que ali chega por brincadeira ou maldade do destino.
Eles fortaleceram meu coração.
De Fé, porque você precisa desenvolver uma fé inabalável para sobreviver ali...
De gana!
De sabedoria... Porque sem ela, ninguém vence.
Aprendi a não ter pena.
Aprendi a viver sem orgulho e sem vaidade... Sem luxo e sem muitas coisas
Digamos, necessárias...
Mas, principalmente, eles me ensinaram a perdoar.
Aprendi a exercer a caridade.
Isto é algo que nunca poderei retribuir-lhes.
Entretanto confio na justiça Divina. Ela há de me fazer essa gentileza, por empréstimo.
É claro que não vou deixar de contar os outros cômicos, tragicômicos, curiosos e excitantes episódios... Envolvendo sexo, é lógico. Drogas, todas as drogas... E pra não decepcionar, o bom e velho rock n’ roll.


CEUPA...
Centro Evangélico Universitário de Porto Alegre.
Centro de embustes e abusos... Eu passei por ti!
Vivi isso e posso contar.


“E pra’quele que provar que eu to mentindo”, diz o Raulzito, “eu tiro o meu chapéu”.
Há dois tipos de ex-ceupanos: Os que, de certa forma amam o lugar... Pelo pior tipo de romantismo, ingenuidade ou “rabo-preso”. E os que, de certa forma não se importam... Pois não vale muita coisa guardar um sentimento mais relevante, além do aprendizado.

É claro que existem exceções, elas precisam existir. Nós, quero dizer, eu e você, todos nós... Precisamos fundamentalmente delas! Nem que seja para nos contrariar. Para criar polêmica. Colocar em cheque nossa afirmação... Nem que seja pra vender!!!

Falo de mim porque é o que posso.

Há três CEUPA’s em Porto Alegre. Esse tipo de alojamento conhecido popularmente como “casa do estudante”. Mas devo esclarecer que o CEUPA é diferente das casas vinculadas com algum Centro Acadêmico, como é o caso da casa CEU em Porto Alegre. Exclusivamente destinada aos estudantes da Universidade Federal, UFRGS. Assim, o CEUPA é uma “terra de ninguém”. Não há uma Universidade regendo o sistema das casas e o governo não demonstra o menor interesse por elas. O Governo apenas manda uma verba anual, que é administrada pelos Presidentes das casas e exige um tipo de prestação de contas que é feito pelos próprios estudantes, sem um contador se quer. Nenhum morador-comum tem acesso à essas informações... Cada morador é obrigado a pagar um aluguel à comissão sob pena de expulsão. O valor desse aluguel, normalmente fica muito abaixo da média. Vamos dizer que em 2003, quando entrei, pagava R$ 40,00. Assim que puder, acrescento fotos dos documentos originais... Por agora, digamos que, seguindo o raciocínio... Em 2004 pagava-se R$ 60,00, que depois foi pra R$ 65,00. Depois passaram a cobrar R$ 80,00 por mês. Quando se pagaria em uma casa de pensão o equivalente ao dobro desse valor. No bairro cidade baixa há três residências CEUPANAS. As casas têm um regulamento interno que é fiscalizado por uma comissão denominada: CEPAI, (a postar: significado da sigla...). A CEPAI ou CEPAE, não lembro ao certo, fica responsável pelo Regimento Interno e pelas normas gerais. Além de cuidar do trabalho das comissões representantes de cada uma das três casas. Normalmente, Os coordenadores e presidentes de cada casa também compõem o grupo da CEPAI.

Quando um candidato concorre a uma vaga em alguma das casas, ele só será bem-vindo se a casa estiver praticamente vazia – o que é bastante difícil acontecer. O candidato, candidata deve estar matriculado em uma Universidade Particular e atestar pobreza e miséria nos comprovantes de renda, próprios e de todos os familiares, para concorrer a uma vaga.


Os familiares de quem concorre a uma vaga não podem, sob hipótese alguma, ter residência na cidade sede do alojamento requerido. Bem, não é impossível estar matriculado a um centro acadêmico particular e ser miserável ao mesmo tempo... Não é, absolutamente impossível... Porém, ali no CEUPA, os moradores-chefes não eram de família miserável. Alguns passavam incólumes pelas “Assembléias” e CEPAIS. Eram, normalmente, rapazes, moças de caráter pouco confiável... Ou “QI” de algum interno...

Sendo as Comissões, bem como o grupo de moradores mais antigos, em sua maioria, obesos, chatos, falidos, homossexuais, heterossexuais, trissexuais, panssexuais, assexuados, drogaditos entre alguma que outra pessoa bacana. Em quase três anos de CEUPA encontrei 8 espíritos realmente belos: "P.C.", "Jack", "Cello", "Maurício", "Tonho" , "Alemoa" e as inesquecíveis: "Tininha", a vira-lata e "Madá", o cadelão labrador.


Mistura fina!
Durante a minha CEPAI, e até hoje não pude saber o porque, uma das meninas iniciou uma campanha terrorista contra mim. Tudo começou depois que seu namorado, então chefe da assembleia, iniciou a votação a favor da minha vaga. A moça imediatamente retirou-se levando consigo sua amiga, que era a presidente da CEPAI. Ao retornarem a presidente levantou um falso testemunho comovente... Logo a namoradinha reforçou... Seu fiel escudeiro mais que depressa voltou atrás no parecer, eram três votos contra. Outro membro da comissão, depois fui conhecer o tamanho de sua maldade, lavou as mãos ao caso e se retirou. O último cidadão levantou a hipótese de deixar-me uns dias de experiência somente para que eu tivesse a oportunidade de provar o quanto poderia ser merecedora da vaga... A situação foi a voto popular e todos aqueles desconhecidos... Uns 60, um por um e uma a uma tomaram a palavra e discorreram sobre o meu caráter como se me conhecessem muito bem. Aliás, muito mais do que eles gostariam... No final da minha primeira assembleia eu, loira, magra, com uma aparência impecável, sorriso de atriz e um deslumbrante par de olhos verdes brilhantes (É fácil ser irresistível com 20 anos!) ...Eu estava expulsa da casa antes mesmo de entrar. Encerraram a sessão e queriam q eu me retirasse imediatamente. Às 23h 55min da manhã, sozinha e com toda minha tralha de mudança... Comecei a chorar em pânico, pois jamais tinha presenciado uma cena daquelas... E pra piorar, era comigo! Passou por mim aquele cara que fez o papel de Pôncio Pilatos na assembleia e disse: “Não adianta chorar ai... Fazer papel de vítima! Você não pode ficar e pronto. Só isso. Pega as tuas coisas e vai embora!”. Respondi entre soluços: “Deixa eu ficar até amanhã de manhã pelo menos!”. E ele: “Até amanhã? Ficar aonde? No meu quarto não. Todos já estão dormindo e fora dos quartos é proibido hóspede”. Eu fiquei muito exaltada e abalada e disse: “Mas isso aqui não é uma casa destinada a abrigar estudantes pobres que não têm onde morar, para que não fiquem na rua? Este é o meu caso!” E a resposta dele foi tranqüila como a ordem da forca: “Isso mesmo! Como você mesma disse, é uma casa de Estudantes! Se você é pobre, vai procurar uma casa de caridade!” Aos prantos e incontrolável eu gritei para a casa inteira escutar: “Filhos da Puta! Desgraçados! Eu quero que todos vocês morram queimados!” O mesmo salafrário que falou, voltou para traz e, encaminhando-se ao telefone disse que iria chamar a polícia... Nessa hora um morador do quarto ao lado, que não estava presente na CEPAI veio até mim e dirigindo-se ao pilantrinha de um metro e quarenta que me insultava, falou-lhe com bastante manha... E rendeu-o convencendo-lhe de que iria deixar-me como hóspede em seu quarto. Fiquei impressionada com a tranqüilidade, a frieza e o poder de persuasão daquele morador. Antes do baixinho entrar para o seu quarto, porém advertiu o colega dizendo: “E você, que faltou pela terceira vez a assembléia, vem aqui assinar a sua segunda advertência! Mais uma e você estará fora, ouviu?!” “Sim, sim...” Entrou comigo e nem fez caso do baixinho. O "Jack" era uma personalidade muito inteligente e, com ele aprendi muito... Muito mesmo... Mas isso eu conto depois. Aparentemente solidário, Jack me explicou que cada morador tinha o direito de abrigar um hóspede por um mês, desde que aprovado pela maioria da casa. Não era o meu caso, mas eu fiquei. E isso nada prejudicou o carisma sarcástico e impressionante do morador que me abrigou em seu quarto: uma “Cabeça de Porco”, como ele mesmo chamava... Sujeira era elogio para referir-me àquele “lixo”. E foi onde me amontoei por cima das bagagens e dormi.

Havia colocado tudo em cima de um colchão de casal que estava dobrado na cama de cima de um beliche no quarto do Jack. Era o meu espaço. No dia seguinte perguntei ao Jack porque havia um colchão de casal ali e não um de solteiro... Com a mesma manha de sua última fala ele me respondeu... (Parecia que “miava”...) “Não... Anjo, essa cama não tem colchão! Esse ai eu peguei no lixo! Tava lá atrás na chuva, no chão..." E como quem desejasse causar-me asco seguiu entre risos "...na sujeira, estava cheio de aranhas, fedendo a mijo de rato... A Tininha é que dormia nele... (Saudades tenho é da Tininha... Uma cachorrinha linda demais que não era moradora, mas sofredora da casa). "E você deixou eu dormir ali e colocar todas as minhas coisas ali sem me dizer nada??” Disse eu. Ao que ele, novamente com aquela lábia indefectível respondeu sorrindo: “Eim?!... Bem eu pensei que não seria delicado te convidar para dormir na minha cama, assim, logo de início, não é?! Você poderia se ofender e achar que eu estivesse te cobrando por algum favor... “Ah... sim! Acenei irônica e olhando bem pra ele acrescentei: “Já logo se vê pela sua cara o quanto você se importa com esse tipo de cerimônia...” “Bem...” ele disse, “Se você preferir, pode ir pedir ao “Baixinho” um colchão... Porque é ele o encarregado...” E me dando um beijo de tchau, saiu dizendo que tinha horário. Na segunda noite acordei cheia de bolinhas pelo corpo... Escabiose. Sarna!

Imagine quanto transtorno... E, enquanto isso... A pressão psicológica vinha de todos os cantos da casa e por todos os lados da minha vida fora da casa...


(talvez um dia eu tenha tempo e disposição de continuar...)

kisstangerina.
Garibaldi, 07.02.2008 - 23h

2 comentários:

Urbano Leonel Sant' Anna disse...

Oba! Viva! Vamos estourar um espumante daqueles bons lá de Garibaldi! Finalmente todos terão a oportunidade de ler e saber o que eu já sabia em parte, privilegiado que fui ao ser brindado com alguns dos escritos do meu doce anjo vingador com sangue de tinta.

Meio que repito o que já disse a ela quando recebi seus primeiros escritos:

Finalmente vamos poder começar a tentar desvendar a pontinha do iceberg da alma desta criatura maravilhosa!

Vou ler já!

Nada mais a ser dito.

Te adoro!

A thousand kisses to Kiss!

Urbano

tallis disse...

É emocionante a tua história, com certeza vc passou bons e maus momentos nessa fase da vida.
Li o seu depoimento e achei muito interessante, é um relato do passado do CEUPA.
Pelo visto tu moravas na casa I, na Sarmento Leite, onde hoje quase reina a nossa Tininha!
Hoje muita coisa mudou, e a maioria do pessoal é normal.
A propósito, CPAI -> Comissão Permanente de Assuntos Administrativos.
Abraços,
de um morador do CEUPA