segunda-feira, 14 de julho de 2008

NCOMPLETO - KISSTANGERINA


“A arte não ama os covardes.”
Vinícius de Moraes


... e outras que não tem no dicionário

Às vezes por conveniência, às vezes por falta...
Mas sempre sempre sempre por que é preciso.

Me faço derramar em uma textura reciclada.
Nessa palidez incapaz de julgar...
Só aqui sou livre para jogar todo meu resto. E é muito bom sentir a segurança de dominar uma lembrança deixando-a esquecida e disponível... Na folha. Na plataforma LCD.
Ao mesmo tempo é uma cara virgem reluzente me provoca, seu desuso... E ela me convence de uma liberdade irresistivelmente oculta (no falso álibi redentor), de ser um ermo – Como se passasse incólume! Como não fosse colocar-me exposta e atingível... E para isso mesmo está dito e feito.

Alguém poderia um dia destilar mais inteligente concepção da minha pessoa... Agora minhas palavras devem denunciar-me. Com elas me entrego...

Quando desistir será tarde demais, paciência!
Ninguém se arrepende francamente. Arrepender-se é uma mediocridade da santa hipocrisia.
Eu, na minha incompetência, permaneço em estado de sufocamento. De nunca poder terminar...

Um dia olhei para a parafernália de folhas, papéis, pastas, cadernos dentro dos baús... Guardanapos, histórias e outros pedaços rabiscados de lápis, caneta, batom, cajal e assemelhados... Entulhados aqui e ali, meus pedaços... Olhei atentamente para as teias das Aranhas-Marrom, do gênero Loxosceles e o pó...
Que se acumulava por ali, pensei: Que grande bosta! Me senti arruinada.

Eu tenho uma certa incompatibilidade fóbica total absoluta e perigosa com aracnídeos. Além da rinite alérgica... (Pra quem costuma rir-se, ignorante dos males que esse bichinho milimétrico causa, cometi a generosidade de acrescentar algumas fotografias ao bibliográfico).

Uma profunda angústia deprimente instalou-se.

Aquela imagem caustica crescia tomando conta de todos os meus espaços... Estava impondo-me um veredicto irrevogável, intransferível e sobretudo, depravadamente cruel. E isso nunca termina...

E agora? Pensei.



Havia chegado o momento de tomar uma atitude decisiva. As alternativas animadoras foram o catalisador:

Ou transformar os anos de relato imprestável em um produto potencialmente funcional, quero dizer, acender o fogão à lenha para aquecer uma boa sopa de cappellètti (agniolini, como se diz na colônia). Ou enfiar tudo no computador. Afinal de contas, isso não passa...

O fogo seria inclusive um breve espetáculo antagônico. Além de configurar-se em algo realmente útil, embora consumível demais para um inverno extremo sulista...

Se eu morresse agora o problema deixaria de ser meu para sempre!
Como se fosse possível morrer por conveniência!

Era preciso, sim, limpar toda a sujeira e com urgência!

A mãe já não podia suportar o quarto. Não era possível executar dois passos àquelas alturas... Eu jamais poderia ter, junto a mim, todas aquelas palavras pesadas... Palavras pesam na mochila, nas costas. Por isso ficavam amontoadas no quarto que denominaram ser meu, na casa da mãe. Sim, porque a casa é dos pais, mas a dona da casa é sempre a mãe. E isso só aumenta...

Entre o caos, as aranhas, o pó, o desgosto insensível egoísta da mãe, a bagunça insensível egoísta do quarto e a tarefa, provavelmente impossível de realizar sozinha, em minha falta de tempo... Não sabia dizer o pior. Mas podia avaliar que o fogo começava tornar-se um amigo oportuno. Além do mais, fazia bastante frio naqueles dias...

Quase sempre o que parece mais fácil acaba nos levando à falência. No caso, tudo parecia ser o mais difícil. Até mesmo ascender o fogo! Comecei acreditar que as coisas difíceis também podem causar graves prejuízos.

Entretanto, é importante esclarecer que havia uma única alternativa insustentável: Era impossível conviver com aquela presença fermentosa gritante. E isso não pára...

O que poderá acontecer se eu destruir tudo?
Nada!
E o que poderá acontecer d’outra feita?
“...tudo, inclusive nada”, diria o poeta...


Por isso mesmo é que não há expectativa.



Eis a miséria!
A grande miserável obra que escorre sem vergonha e sem descanso... Desde o tubo facetado... Acrílico cilindro. O instrumento moderno materializador... O teclado. Até a superfície passiva, onde sou livre para jogar todo meu lixo precioso. Sem medo de perder ou espalhar resquícios na casa dos outros... Porque minha eu nunca tive.

Só o que tenho de meu é o que jorra
e vejo sujar as vidas de tinta.

Palavras que não se transformaram em música, nem poema, nem coisa alguma.
A desfragmentação. A não palavra. Anti-obra. Foram deixadas aqui para trazer a mim, recordações. Porque minha memória está vencida... Palavras que não servem para mais nada a não ser isto.
O ocaso dos lixos meus!
A minha insuportância!
Palavras que, imagino, não sirvam para outra coisa... Foram deixadas aqui para lembrar-me da minha incompetência. De que tenho prazo de validade e jamais serei digna delas. Por pior que sejam... Um pouco do que não desejo doar a ninguém. O que escolhi para servir fundamentalmente à mim; da maneira que mais me convenha e disso eu lhe asseguro.
Meu caro objeto de alívio e tortura...
Meu simples ato fisiológico...
Tudo aquilo que não é interessante revelar...
Tudo o que eu posso escrever da pior maneira...
Tudo o que eu sinto vergonha de expor...
Todo o meu ridículo! E a pobreza mundana que macula o espírito.
Noitário-Soturno meu... Tomado por capricho da minha vaidade e não sei mais nem menos o quê.
Alguns rascunhos e tentativas com todos os meus erros. Desavergonhada que sou... Poderia desistir deles antes de conservar esse não se quê irremediavelmente incompleto... Como é a existência! De saber que não existo!

Assim assim é que será. Um raro privilégio... Íntimo. E que você o mereça! Que possa render uma reação... No mínimo estridente. Nem que seja uma risada... Mas uma risada orgástica!

Enquanto eu viver, o “Incompleto” será sempre... E sempre será muito grande para terminar nesse mundo, por mim. Será pequeno como eu e o mundo. Uma vivência peculiar. Sem o compromisso de ser boa. Nem fadada ao mau gosto. Mas rara e simples e única e total. Como deve ser toda e qualquer experimentação de vida que se faça! De vez que chegará para quem merece. Sim. Isto é uma verdade da qual não tenho a menor dúvida.
Depois que eu morrer mão me importa o que aconteça com as coisas desse mundo. Quero ir-me daqui sem sofrimento, pra nunca mais voltar.

kisstangerina.
PoA, 25.11.2003 – 21h40min - José do Patrocínio, 408 ap. 904 – XXVI

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ARANHA-MARROM ou ARANHA DE CASA = LOXOSCELES:

FERIMENTO 3 DIAS APÓS A PICADA:
4 DIAS APÓS A PICADA:
5 DIAS APÓS A PICADA:
6 DIAS APÓS A PICADA:
9 DIAS APÓS APICADA:
10 DIAS APÓS A PICADA:
E PODE LEVAR À MORTE.
REVISADO POR: Dra. Fania Mary Yoshida - CRM15061-PR.
olha as terríveis fotos no site:
(Fonte: http://www.apele.com.br)

Um comentário:

Urbano Leonel Sant' Anna disse...

Kiss, me perdoa, mas vou responder a este exatamente da mesma maneira que respondi quando o li da primeira vez e tu disseste que irias dar um jeito qualquer de publicar. Sei que já está nos teus depoimentos do orkut, mas acho que este é o verdadeiro lugar para o que tenho a dizer à escritora Kiss. Afinal foi naquela resposta que te sugeri criar um blog. (Sugestão não muito bem recebida na época, se não me engano...) (rs)


Kiss, doce irmã de sangue nanquim!


Perdão pela ousadia incestuosa...

Quero te beijar da cabeça aos pés!

A culpa é só tua...
É tua por ser linda de alto a baixo!
É tua por ser linda de fora a dentro!

Estou apaixonado pela tua angústia quase suicida de criatura adicta da tinta!
Estou apaixonado pela tua coragem vigorosa de não desistir da tua eterna gravidez literária!

Fiquei encantado com a seriedade que usas como instrumento para brincar com as palavras!
Fiquei maravilhado com as artimanhas quase inconseqüentes que lanças mão para ludibriar o verbo!

Dúvidas e contradições que encontram, na própria equação, a sua solução.
A antítese do que não é acaba sendo a pura essência do que é.
É como se te dominasse um prazer escatofílico...
O que refugas é o que te dá prazer.
O que quase chegas a desprezar é o que mostra a tua verdadeira face.

Não importa o que digas...
É inegável a qualidade do que escreves!
Doce e amarga!
Humilde e orgulhosa!
Tímida e descarada!
Insegura e confiante!
Oculta e exposta!
Covarde e corajosa!
Casta e devassa!
Simples e complexa!
Óbvia e surpreendente!
Modesta e faustosa!
Humana e divina!
"Rara e simples e única e total!"
Quisera que toda a "incompetência" fosse tão fecunda assim!

Acaba de me ocorrer, com essa hemorragia de poesia que não estanca, já pensaste em criar um blog e dividir com o mundo uma pequena parcela destes teus "borrões", como os chamaste?
Um ou dois dobrões deste teu baú de lixo precioso ou de tesouro rejeitado?

Te adoro ainda mais!

Kisses to Kiss!

Teu fã e irmão com tinta nas veias,

Urbano


PS: Mea culpa! Mea maxima culpa!